Quando cheguei, lá estava ele olhando com os olhos de quem sente mas não diz
e dentro de si passavam-se tantas coisas
uma verborréia lhe vinha à cabeça e contagiava, subia, envolvia, machucava
e não ouvia-se sequer uma única palavra.
Descobrira aquilo que não queria ver, que não podia ver - estamos todos condenados a solidão?
Eram por esses caminhos que passava sua mente pulsante, dolorida.
A vida é em todo o seu desenrolar frágil demais
a viúva que uiva para lua cheia, o jovem protestante que se apaixona por ela, o casal que morre de amor
a crueldade dos estupradores, as crianças prodígio, as velhas avós que um dia foram somente mães. A polidês das pequenas tragédias cotidianas. E a Comédia, aquela fumacinha rosada, que nos observa e nos deprecia com seu sorriso irônico de quem sabe que estamos condenados à vida
que continuaremos com aquilo que somos até a morte
Nos consumiríamos ardorosamente: eu ele e quantos fossem
viveríamos então o impulso rápido da vida
com amor, com veemência
[aquilo a que costumavam chamar liberdade
A poesia se tornaria um hábito, porque a nossa visão se desvaneceria para então vivermos somente o que importa, o que não é digno aos olhos e tão pouco ao coração
E a cada dia lentamente conheceríamos aquilo a que chamam vontade, a Vontade como a coisa em si, como a inexplicável necessidade de se sentir, de transbordar, de fazer do que não é
algo que está na iminência de ser, e o será para sempre.
Esperavam todos que esse senhor me fizesse sentir menos vontade de viver; e também eu o esperava a julgar que me conheço (e não o faço)
Mas esse novo tango argentino fez-me despertar para uma realidade mais delineada, ainda que digna de tudo o que não faz parte dela
ainda que regada de sonhos
a ilusão que me tomou e possuiu
e para a qual estou condenada até o fim.
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Há 8 anos