domingo, 30 de novembro de 2008

Peso leve

Quando cheguei, lá estava ele olhando com os olhos de quem sente mas não diz
e dentro de si passavam-se tantas coisas
uma verborréia lhe vinha à cabeça e contagiava, subia, envolvia, machucava
e não ouvia-se sequer uma única palavra.
Descobrira aquilo que não queria ver, que não podia ver - estamos todos condenados a solidão?
Eram por esses caminhos que passava sua mente pulsante, dolorida.
A vida é em todo o seu desenrolar frágil demais
a viúva que uiva para lua cheia, o jovem protestante que se apaixona por ela, o casal que morre de amor
a crueldade dos estupradores, as crianças prodígio, as velhas avós que um dia foram somente mães. A polidês das pequenas tragédias cotidianas. E a Comédia, aquela fumacinha rosada, que nos observa e nos deprecia com seu sorriso irônico de quem sabe que estamos condenados à vida
que continuaremos com aquilo que somos até a morte
Nos consumiríamos ardorosamente: eu ele e quantos fossem
viveríamos então o impulso rápido da vida
com amor, com veemência
[aquilo a que costumavam chamar liberdade
A poesia se tornaria um hábito, porque a nossa visão se desvaneceria para então vivermos somente o que importa, o que não é digno aos olhos e tão pouco ao coração
E a cada dia lentamente conheceríamos aquilo a que chamam vontade, a Vontade como a coisa em si, como a inexplicável necessidade de se sentir, de transbordar, de fazer do que não é
algo que está na iminência de ser, e o será para sempre.
Esperavam todos que esse senhor me fizesse sentir menos vontade de viver; e também eu o esperava a julgar que me conheço (e não o faço)
Mas esse novo tango argentino fez-me despertar para uma realidade mais delineada, ainda que digna de tudo o que não faz parte dela
ainda que regada de sonhos
a ilusão que me tomou e possuiu
e para a qual estou condenada até o fim.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Janela




Pela primeira vez que resolveu dizer algo, optou por dizê-lo baixinho

o problema foi que ela escutou e longe do que se esperava, ao invés de discutir

abaixou o olhar e dos olhos escorreram lágrimas

lágrimas não são para manisfestar dores, ao contrário do que muitos pensam

lágrima é escudo.
Discurso sem palavras de quem vive
neste mundo que nos apresenta
todo dia

e foi por isso, que por muito, continuou chorando

choro bom, choro ardido
choro daqueles que vêm não se sabe de onde, mas faz sentir por um minuto que estamos lá

não por perto

mas do lado de dentro
de tudo isso.

" e não tenho crueldade, mas paciência:
já ninguém chora, passou de moda
a bela lágrima como uma açucena
e até mesmo o remorso faleceu." PN

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

El mujer en las tablas

Incertos como deveriam ser
A gente vive, revive, e momentos são sempre isso
levianos
estúpidos passageiros.
Olha-se para o horizonte
nem tão belo
horizontes hoje em dia não são como apregoavam os literários de antigamente
estão secos e sem vida
e não porque horizontes mudam
não sei o que muda
a cabeça muda
o olhar muda
a boca muda
não fala
muda.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

A circunstância

Escrevo em nome do meu incômodo
e não porque julgo ter em minha essência, um Dom.
O dom dos insatisfeitos
não é inato.

domingo, 2 de novembro de 2008

A metafísica do amor.

Aos olhos que a si enxergam, o mundo
E às bocas secas de amor, o tédio profundo

Amor, palavra dúbia que carrega tudo e tanto
pelos olhos entra, pela boca sai
com suavidade me ganha
e pela pureza cerrada
me trai.

Amor, a beleza do inseguro
o toque do inesperado
a delícia do amargo
meu grito desesperado.

Aquilo que aconchega
impulso vital do ser
Amamos por opção?
amamos para não morrer.

Enredo repetido
dessa peça que nem sequer passou
A arte de contradizer
o que nunca ninguém falou.

Ao amor, ergo o meu brinde
e dedico essas palavras mudas
que falam por quem não ama.