quarta-feira, 22 de abril de 2009

Poesia sem fim

Pela graça de sentir-se rodopiar, girou mais umas cinco voltas, deixou que a corda ficasse firme, dura, toda contorcida até o fim, lá no finalzinho perto do galho da árvore que a segurava acima do chão. E a cada volta, seus pés pareciam mais distantes. O medo envolvia, a excitação do descontrole contagiava, e o coraçãozinho de criança pequenino como só, pulava em ritmo de ciranda com alegria genuína. Naquele dia, ou melhor, naquele momento tão breve ela contemplou o tudo, sentiu-se toda. Vestido estampado de desenhos minúsculos esvoaça em círculo, fazendo mostrar as pernas, sentir o vento passar pelas coxas magricelas. Não sabia onde estava, isso é certo, mas era onde tudo era mais completo mais cheio de si mesma. O ritual durou apenas poucos minutos e sabia-se que por algum motivo, por entre a linha do tempo e do espaço, talvez através daquilo a que chamamos razão aquele momento duraria ainda menos, menos, cada vez menos, pouco sobraria - até que então se perderia por completo. Quem sabe, aliás se ao lugar daquele contentamento efêmero viria logo atrás uma outra parte do momento, a parte inversa oposta contrária, aquela porção da verdade tão essencial quanto sua metade, temerosa e vazia? O vazio. O nada. E antes fosse tão poético quanto parece, antes fosse tudo tão ingênuo. Nada além da morte poderia vir após a sensação intensa da vida. Experienciou então a agonia de um quarto agressivamente branco frio como uma calota de gelo. Tudo o que havia em si se subverteu, tudo, pulou para fora num salto perfeitamente sincronizado. E foi quando pôde perceber-se casca. Tudo de si olhando para si própria - até aquilo que julgava impossível ser - o encontro irônico e perverso do criador com sua obra. Podia tocar com a ponta dos dedos tudo exatamente tudo o que construíra até então e podia se sentir estremecer. Como fosse tudo aquilo muito pútrido, firmou os olhos assustados na cena hostil à sua frente e desejou com toda a força destruir cada pedaço de si na tentativa de não ser. Festival de poses e vícios. Caos a céu aberto: aniquilar cruelmente o que fosse insuportavelmente correto ou não, tudo o que pudesse ter sido bom ou ruim para outros e para si. E o olhar mudo oscilando do branco ao lilás, observava todos os recortes e seus ídolos pré-adolescentes e fazia daquela angústia mais uma forma de gritar pra dentro o que devia sair. Cansaço sem reação, doía em silêncio. O mundo girando devagar e a alma vagando lenta em cólera. Sozinha. Passados três minutos e o mundo pareceu leve. Todo o medo converteu-se em êxtase, pôde rapidamente contemplar o divino, escutar o Universo, escorrer como um rio. Presa em sua liberdade, assemelhava-se àquela árvore copada de um verde reluzente e delirante, e à magnificência da Natureza com seus gemidos e das formas e do luar, o cheiro da terra e das lágrimas emocionadas. O mundo refletia a perfeição de ser amor e eterna inocência e de poder ser recebido pelos seus sentidos aguçados, que obervavam meticulosamente e apalpavam o fluxo de vida somados aos movimentos de todas as espécies, vindos de todos os seres, animados ou não.
Celebrava mais uma vez sua incrível aptidão de girar em torno de si própria - e viver e morrer simultaneamente - em poucos minutos. No teatro mágico de sua vida viu-se novamente refletida no espelho quebrado, estilhaçado em mil partes. Alcançava outra vez a dor e a alegria de ser múltipla, de ser tudo, de ser humana